Relações lineares vs. relações não-lineares
Eu acho que muitos erros acontecem por causa da confusão entre linear e não linear. Linear é mais fácil de entender porque os incrementos acompanham a intuição. Pensar que uma relação é linear quando na verdade não é, é uma das maiores causas de erros.
Uma garrafa de água pesa x unidades. Portanto, 10 garrafas pesam 10x mais. Uma fábrica com 200 empregados produz 1000 produtos por dia. Portanto, duas fábricas com 200 empregados cada produzem 2000 produtos por dia. Se ligar o ar-condicionado por 10 horas por dia representa um gasto de x $ na conta de luz, então cortar o tempo do ar-condicionado pela metade deve reduzir o mesmo gasto pela metade.
10 pessoas - 30 unidades de algo
42 pessoas - x unidades de algo
Faça a multiplicação cruzada e resolva para x. Aprendemos isto antes de aprendermos sobre funções e isto acaba induzindo a pensar que toda vez que uma quantidade depende de outra, com uma relação de proporcionalidade, então podemos (não podemos!!) extrapolar o resultado para outras quantidades. Somente podemos fazê-lo quando a taxa de variação é constante. Senão, não podemos assumir que as quantidades variam segundo uma função linear quando não é verdade para aquele caso.
A função linear do problema acima é: dez pessoas são a variável independente, 30 unidades de algo são a variável dependente. Porque a quantidade de algo claramente depende do número de pessoas. A razão pessoas / pessoas deve ser igual à razão algo / algo. Em outras palavras, aumentando o número de pessoas por um percentual, o incremento na produção deve seguir o mesmo percentual. Geometricamente é a mesma ideia da tangente quando lidamos com derivadas.
Dez pessoas trabalhando por 8 horas por dia, durante 27 dias, produzem algo. Reduza o número de pessoas de dez para oito e aumente o número de horas de 8 para 9. A pergunta é: de quantos dias oito pessoas precisam, trabalhando 9 horas por dia, para produzir a mesma quantidade de algo que 10 pessoas, trabalhando por 8 horas por dia por 27 dias?
10 pessoas - 8 horas por dia - 27 dias
8 pessoas - 9 horas por dia - x dias
Este problema ainda é uma relação linear, exceto que agora temos duas variáveis. De imediato é fácil ver que a carga de trabalho por pessoa aumentou, mas ainda não sabemos quanto. O que temos agora é uma razão de outra razão. Vamos pensar que pessoas x tempo = força de trabalho. Este exercício diz que menos pessoas trabalhando por mais horas conseguirão o mesmo resultado de antes. Vamos considerar a produção como se fosse um índice.
[math]\displaystyle{ 10 \cdot 8 \cdot 27 = 8 \cdot 9 \cdot x }[/math] (note que ambos os lados da equação tem as mesmas unidades, independente de quais sejam)
[math]\displaystyle{ x = 30 }[/math] dias.
É melhor encarar estes problemas com uma mentalidade estatística ou econômica do que ficar memorizando regras.
Antes de cair na conclusão "multiplique tudo antes e tudo depois". Vamos parar um segundo para ler. Em física temos que a velocidade média é "metros por segundo". Portanto, pessoas por horas por dia é: [math]\displaystyle{ \frac{\text{pessoas}}{\text{horas} \cdot \text{dias}} }[/math]. Às vezes tentamos memorizar o que é diretamente proporcional e o que é inversamente proporcional e acabamos nos esquecendo do significado das próprias palavras.
Observação: este tipo de problemas é um pouco enviesado porque esta simplificando demasiadamente a vida. Quando temos pessoas como variáveis não é sempre verdade que mais pessoas produzem mais e menos produzem menos. Temos inúmeros exemplos da vida onde as relações não são e não deveriam ser tratadas como lineares. Pense na ecologia. As relações entre o ambiente e os seres vivos são extremamemente não lineares.
Uma pergunta pode surgir aqui: uma razão é o mesmo que uma função? Não. Se dividirmos A / B isto é apenas um quociente de uma quantidade por outra. É um sinônimo para uma proporção. Para termos uma função precisaríamos de uma relação entre variáveis, não dois números fixos. Porém, na matemática mais avançada uma operação como a adição pode ser associada a uma função. Assim como a operação de divisão.
Relações não lineares
Suponha que você tem uma tabela que mostra o número de acidentes de carros numa cidade em relação ao número de carros naquela cidade. Suponha que a tabela mostre uma associação positiva entre número de carros e acidentes, com ambos variando para cima ou para baixo com o tempo. Na origem teríamos, obviamente, zero carros para zero acidentes. Agora a pergunta: Podemos dizer que quanto mais carros ao longo do tempo, o número de acidentes vai aumentar? A resposta naturalmente seria sim pois é isso que a tabela nos mostra. Porém, temos um viés aqui! E se os carros forem mais avançados e a tecnologia evita acidentes? E se os motoristas forem melhor treinados? Este é o grande problema do viés. Algumas vezes o que esperamos não corresponde à expectativa. Um exemplo disto costuma ser dado na escola: o modelo Malthusiano de crescimento que prediz um crescimento populacional exponencial, sem considerar muitos fatores que vão contra um crescimento tão acelerado.
Suponha que um vírus infecte uma pessoa. Esta pessoa pode infectar pelo menos mais uma pessoa. Usualmente este exemplo é caso de crescimento exponencial. Isto é, uma pessoa infecta muitas outras e temos uma reação em cadeia que rapidamente explode em quantidade. Apesar do modelo de crescimento ser exponencial, há algumas variáveis que são bem difíceis de considerar na equação. Uma pessoa pode não infectar ninguém porque ela vive isolada e sem contato com outras pessoas por exemplo. O corpo de cada um reage de maneira diferente para um mesmo vírus. O surto do vírus pode coincidir com o verão ou o inverno e a estação do ano impacta na velocidade de propagação do vírus. Às vezes ignoramos uma ou mais variáveis achando que elas tem pouca importância e erramos por causa disto. É muito comum subestimar ou superestimar as variáveis em questão.
Suponha que temos uma relação que estabelece quanta água de um lago evapora por dia em relação ao seu volume. Provavelmente a relação não é linear e além disto, estamos simplificando muito o problema. O volume por si só não é uma boa variável para predizer quanta água evapora. A área da superfície é melhor para isto. A equação inclui uma série de complicações como umidade do ar, velocidade do vento, temperatura, radiação solar e muitos outros fatores para predizer quanta água evapora. O modelo para calcular quanta água evapora não é simples. Os modelos matemáticos por trás da previsão do tempo são muito complicados porque eles incluem muitas variáveis e a relação entre cada uma costuma ser não linear.
Eu acho que a equação não linear mais simples que temos é [math]\displaystyle{ f(x) = x^2 }[/math]. Para cada unidade de incremento no lado de um quadrado, a área incrementa pelo seu quadrado. Pense em cubos e o volume cresce ainda mais rápido do que isto.
Uma demonstração bem simples de uma relação não linear pode ser feita com o ciclo trigonométrico. Você também pode fazer usando uma calculadora.
sen(x) | cos(x) | |
10° | 0.174 | 0.985 |
20° | 0.342 | 0.94 |
30° | 0.5 | 0.866 |
Perceba que incrementamos o ângulo numa taxa constante, mas os valores do seno e cosseno não aumentaram na mesma taxa.
Gráfico linear
Dizer que a taxa de variação é constante pode significar duas coisas: que a taxa de variação é positiva ou negativa; ou que a taxa de variação é nula. É uma fonte muito comum de erros! Sem mais informações não temos como saber se a função esta crescendo, decrescendo ou nenhum dos dois.
Digamos que tenhamos um problema de queda livre. A gravidade, para todos os casos da vida cotidiana, é uma força constante. A gravidade não varia se estamos no nível do solo ou voando a 10 km de altitude. Para distâncias interplanetárias já não podemos mais tratar a gravidade como uma força constante porque as distâncias são muito grandes. Suponha que uma pessoa pula de um avião voando a 2 km de altitude, paralelo ao chão. A velocidade vertical inicial é zero. Com a queda a pessoa acelera. Sem números podemos presumir que a aceleração é positiva porque a velocidade cresce com o tempo.
Qual gráfico melhor representa aceleração x tempo durante a queda livre?
O primeiro poderia ser o resultado da inversão da orientação do eixo vertical, mas também é um erro conceitual. A pessoa esta caindo, uma conclusão aí seria pensar que o gráfico que melhor descreve uma queda livre é uma linha reta inclinada para baixo. Estamos descrevendo a aceleração, não a trajetória!
O terceiro é uma confusão entre velocidade e aceleração. No cotidiano costumamos usar ambos sem distinção e sem causar maiores problemas. Porém, frequentemente nos esquecemos que a aceleração da gravidade é constante. A velocidade aumenta com o passar do tempo, mas a aceleração não.
O gráfico correto para descrever a queda livre e a aceleração x tempo é o gráfico 2.
Gráfico não linear
Qual gráfico agora melhor representa distância x tempo durante a queda livre?
Um erro comum é associar uma trajetória retilínea com o gráfico. A parabola significa que a taxa de variação da distância a partir da posição inicial não é linear. Para cada instante de tempo, a distância aumenta ao quadrado. Acho que aqui é onde uma confusão ocorre. A distância é medida em metros ou múltiplos de metros. O fato da variação da distância com o tempo ser não linear não tem relação com a unidade ter ou não um exponente dois. A velocidade aumenta com o tempo durante a queda e sendo assim, para cada segundo que se passa, a distância aumenta cada vez mais rápido.