Imaginando o gráfico de funções de várias variáveis
Se você entende a parábola, a linha reta, seno e cosseno, exponencial e logaritmo, já esta bom. A maioria dos gráficos de funções em 3D é uma combinação dos anteriores. Assim uma função pode ser uma onda numa direção e outra onda na outra direção. Uma parábola em uma direção e outra parábola na outra direção. São gráficos difíceis de traçar à mão e a maioria dos professores não pede para fazer à mão. O que aprendemos em cálculo é como aproveitar a geometria analítica e as curvas de nível para ter uma boa ideia de como os gráficos mais simples de funções de duas variáveis podem ser traçados.
Se você tem uma boa familiaridade com o deslocamento de gráficos de funções de uma variável para cima, para baixo e para os lados, é bastante natural imaginar o mesmo para funções de duas variáveis. Os casos mais fáceis são aqueles em que uma variável é constante, enquanto a outra é uma função já conhecida de uma variável. Multiplicar uma variável por uma constante deforma o gráfico da mesma maneira que uma função de uma variável seria, exceito que no caso de duas variáveis uma variável não dependa da outra. Assim a deformação pode ser assimétrica.
Para explicar porque somar uma variável com outra gera gráficos onde um eixo se comporta de maneira diferente do outro eixo é preciso entender o conceito de dependência linear da álgebra linear. Quando traçamos curvas pametrizadas no plano, X e Y são independentes uma da outra. Para o espaço 3D é o mesmo conceito. Em cálculo estudamos funções de uma ou mais variáveis mas elas não carregam nenhuma dependência entre si. Para traçar o gráfico de uma função de três variáveis precisaríamos de um espaço 4D, quatro eixos linearmente independentes. Porém não temos como fazê-lo. Se você traçar três eixos e adicionar um quarto, invariavelmente ele será dependende dos outros três. Alguns professores de cálculo mencionam a dependência linear, mas na maioria dos casos eles acabam omitindo isto.
Se você conseguir acompanhar este exemplo, todos os outros casos são apenas variações desta simples visualização. Observe como é uma parábola paralela ao eixo [math]\displaystyle{ x }[/math]. Nós deslocamos a parábola ao longo do eixo [math]\displaystyle{ y }[/math].
Para verificar os gráficos use o wolfram, geogebra, desmos ou google.
Função constante
- [math]\displaystyle{ f(x,y) = k }[/math]
Esta é a função mais fácil. Para cada par [math]\displaystyle{ (x,y) }[/math], a função assume o mesmo valor constante. É um plano paralelo ao plano XY.
Adição de funções
- [math]\displaystyle{ f(x,y) = x + y }[/math]
Este é análogo à função identidade em uma variável. Exceto que agora temos um plano, não apenas uma reta. Se multiplicarmos uma das variáveis por uma constante, estaremos mudando a inclinação naquela direção, mas não na outra.
- [math]\displaystyle{ f(x,y) = x^2 + y^2 }[/math]
Este é análogo a uma parábola. Exceto que agora temos duas parábolas. Duas como? Uma para cada eixo. Imagine uma parábola e daí rode | gire ao redor do seu próprio eixo vertical. O nome para esta figura é "parabolóide". Se alterarmos uma variável multiplicando-a por uma constante, o parabolóide perde a sua simetria. Se aumentarmos a potência de uma variável para 4, 6, etc. Estaremos "achatando" a parábola da mesma maneira que acontece com uma função de uma variável.
- [math]\displaystyle{ f(x,y) = x^2 + 0 }[/math]
Como a segunda variável é uma constante, temos uma parábola que é transladada ao longo de [math]\displaystyle{ y }[/math] numa taxa constante. Essencialmente, uma parábola na frente da outra em 3D. É uma espécie de "U" ou meio cano (não exatamente um "U" perfeito, atenção). Pense numa pista de snowboarding ou de skate. Com este mesmo raciocínio podemos explicar os gráficos do log, exp e ondas onde a segunda variável é uma constante.
- [math]\displaystyle{ f(x,y) = \sen(x) + y }[/math]
Iste é bastante semelhante a [math]\displaystyle{ \sen(x) + x }[/math], exceto que uma variável não esta "interferindo" na outra. Ao longo de [math]\displaystyle{ x }[/math] é uma onda senoidal. Ao longo de [math]\displaystyle{ y }[/math] é uma função identidade. No exemplo anterior todas as parábolas tinham a mesma "altura". Agora cada onda não tem a mesma "altura", mas uma diferença de [math]\displaystyle{ y }[/math] unidades para cima ou para baixo. Uma forma de visualizar esta função é pensar em telhas. Há um padrão ondulatório, mas ao mesmo tempo o telhado não é paralelo ao chão, é inclinado.
- [math]\displaystyle{ f(x,y) = \sen(x) + y^2 }[/math]
Bem selhante ao anterior, exceto que o eixo [math]\displaystyle{ y }[/math] esta "curvado" e agora é uma parábola. Ao contrário do caso [math]\displaystyle{ \sen(x) + x^2 }[/math], onde o quadrado "ganha" do seno. Com duas variáveis a parábola pode "coexistir" com a onda porque estão em eixos diferentes. As variáveis são linearmente independentes.
- [math]\displaystyle{ f(x,y) = \sen(x) + \sen(y) }[/math]
Temos ondas com o mesmo período em ambas as direções. Quando [math]\displaystyle{ \sen(x) }[/math] é mínimo, [math]\displaystyle{ \sen(y) }[/math] também é. O mesmo para o máximo.
Produto de funções
- [math]\displaystyle{ f(x,y) = xy }[/math]
Numa primeira impressão isto pode parecer uma superfície plana, mas não é. Esta função não é linear. Pense na função identidade, cada par ordenado é da forma [math]\displaystyle{ x = y }[/math]. O que acontece quando ambos as variáveis são iguais e estamos calculando o produto das mesmas? Então temos [math]\displaystyle{ x^2 }[/math] ou [math]\displaystyle{ y^2 }[/math]. Isto significa que ao longo das diagonais do plano cartesiano temos parábolas. Agora a pergunta: parábolas de concavidade para cima ou para baixo? Depende do produto [math]\displaystyle{ xy }[/math]. Sabemos que no plano cartesiano alguns pares são ambos positivos, outros são ambos negativos e o restante é um negativo e o outro positivo. É difícil de por em palavras, mas numa diagonal é uma parábola com concavidade para cima. Na outra diagonal é para baixo. Tente este exercício de imaginação: pegue um quadrado feito de material flexível. Pegue dois vértice opostos e puxe-os para cima. Os outros dois para baixo.
- [math]\displaystyle{ f(x,y) = (xy)^2 }[/math]
Este gráfico é bem parecido com o anterior com uma diferença: não assume valores negativos. Isto significa que temos dois eixos se comportando como parábolas com concavidade para cima. Aplique [math]\displaystyle{ x = 1 }[/math] e temos uma parábola paralela ao eixo [math]\displaystyle{ y }[/math]. Aplique [math]\displaystyle{ y = 1 }[/math] e temos uma parábola paralela ao eixo [math]\displaystyle{ x }[/math]. Onde a função cresce mais rápido? Quando [math]\displaystyle{ |x| = |y| }[/math]. Ou seja, nas diagonais. Ao longo dos eixos a função sempre é nula.
Um caso um pouco mais difícil. Você consegue imaginar o gráfico de [math]\displaystyle{ f(x,y) = (2 - x^2)(2 - y^2) \ ? }[/math] É quase igual ao de antes, mas não será mais nulo na origem. Os sinais de menos podem nos enganar e fazer pensar que são parábolas com concavidade para baixo. Mas temos isto [math]\displaystyle{ {x^2}{y^2} \gt x^2 }[/math] e [math]\displaystyle{ {x^2}{y^2} \gt y^2 }[/math] para todo [math]\displaystyle{ x,y \gt 1 }[/math]. O que acontece em [math]\displaystyle{ (100, 0) }[/math] e [math]\displaystyle{ (0,100) \ ? }[/math] Ao longo dos eixos o gráfico não é mais nulo como antes, agora ele esta descendo.
- [math]\displaystyle{ f(x,y) = \frac{1}{x^2 + y^2} }[/math]
Numa primeira impressão a função se parece com [math]\displaystyle{ 1/x^2 }[/math]. Estamos corretos aqui, o formato do gráfico lembra sim a sua versão de uma variável. Se mantivermos uma variável igual a zero, o gráfico da função é reduzido a um problema de uma variável. Ele é simétrico em ambas as direções. Podemos ter uma boa estimativa aqui e compará-lo com o paraboloide. No caso do paraboloide nós pegamos a parábola e giramos ao redor do eixo vertical. Podemos fazer o mesmo e girar | rotacionar [math]\displaystyle{ 1/x^2 }[/math] ao longo do seu próprio eixo vertical para imaginar o gráfico. O formato do gráfico lembra um vórtice de água virado de cabeça para baixo.
- [math]\displaystyle{ f(x,y) = \frac{1}{(x + y)^2} }[/math]
Esta guarda alguma semelhança com o anterior, mas sem girar | rodar o gráfico. Toda soma [math]\displaystyle{ x + y }[/math] será elevada ao quadrado e sendo assim, esta função nunca assume valores negativos também. O que acontece quando a soma é [math]\displaystyle{ 0 \lt |x + y| \lt 1 \ ? }[/math] Temos frações como [math]\displaystyle{ 1/10 }[/math] e calcular o inverso disto significa que [math]\displaystyle{ f(x,y) }[/math] cresce infinitamente para estes pontos. Quando fazemos [math]\displaystyle{ x = 0 }[/math], [math]\displaystyle{ y }[/math] é próximo de 1 mas não igual a 1. Repita o mesmo procedimento para [math]\displaystyle{ y = 0 }[/math] e [math]\displaystyle{ x }[/math] bem próximo de 1. Podemos subtrair pequenas quantidade de uma variável e adicioná-las a outra, mantendo a soma de ambas entre 0 e 1. Isto deve nos dar uma vaga ideia de que a divisão por zero ocorre numa linha reta, specificamente a linha que passa pelos pontos [math]\displaystyle{ (0,1) }[/math] e [math]\displaystyle{ 1,0 }[/math] do domínio desta função.
Funções compostas
- [math]\displaystyle{ f(x,y) = \sen(x + y) }[/math]
Não seja enganado pensando que o seno da soma é uma soma de funções! Para composição de funções de duas variáveis é um pouco complicado de imaginar o gráfico. A primeira coisa a se notar é temos uma função seno, não duas como por exemplo [math]\displaystyle{ \sen(x) + \sen(y) }[/math]. Isto nos deve dar uma ideia de que só há um padrão de onda e em uma direção, sem interferência de outras ondas em outras direções. A segunda coisa é que o ângulo será uma soma de duas partes. Quantos pares [math]\displaystyle{ (x,y) }[/math] resultam em, digamos, [math]\displaystyle{ \pi/2 \ ? }[/math] Há infinitas combinações que resultam no ângulo reto. Com isto podemos ter uma ideia de que, para cada ângulo, há infinitos pares que resultam naquele ângulo. Agora podemos concluir que o "pico" da onda será uma constante sobre uma linha reta no domínio desta função. A ideia do gráfico é que ele é uma série de ondas paralelas se propagando numa direção e sem um padrão circular. Por exemplo: ondas paralelas à praia.
- [math]\displaystyle{ f(x,y) = \sen(x^2 + y^2) }[/math]
Se você for rápido, temos que o que parece ser a equação de uma circunferência no argumento do seno. Temos que [math]\displaystyle{ \theta = (x^2 + y^2) }[/math]. Com isto já podemos afirmar que o seno esta se propagando em todas as direções num padrão circular. O mesmo padrão de ondas observado quando jogamos uma pedra na água, exceto que no caso deste gráfico as ondas não perdem intensidade conforme se afastam da origem. Se multiplicarmos por uma função decrescente, em todas as direções, observaremos um amortecimento das ondulações.
- [math]\displaystyle{ f(x,y) = \sen(xy) }[/math]
Conhecer o gráfico de [math]\displaystyle{ f(x,y) = xy }[/math] ajuda aqui. Ao longo dos eixos a função é zero e [math]\displaystyle{ \sen(0) = 0 }[/math]. Com o produto [math]\displaystyle{ xy }[/math] as ondas não são circulares nem linhas retas como nos exemplos anteriores. Para manter o ângulo constante o que precisa acontecer com o produto [math]\displaystyle{ xy \ ? }[/math] Uma variável precisa ser o inverso da outra. Isto nos lembra desta função de uma variável [math]\displaystyle{ f(x) = 1/x }[/math]. Com isto em mente podemos afirmar que as ondas se propagam em todas as direções num padrão semelhante a [math]\displaystyle{ 1/x }[/math] e [math]\displaystyle{ -1/x }[/math]. Isto é, ao longo das curvas do inverso de [math]\displaystyle{ x }[/math] o seno é uma constante.
- [math]\displaystyle{ f(x,y) = e^{-x^2 - y^2} }[/math]
Se você conhecer o gráfico de [math]\displaystyle{ e^{-x^2} }[/math], o gráfico da sua versão de duas variáveis deve vir naturalmente. Ele é simétrico em ambas as direções. Lembre-se que [math]\displaystyle{ e^{-x^2 - y^2} = e^{-x^2} \cdot e^{-y^2} }[/math]. Se você observar, [math]\displaystyle{ -x^2 - y^2 }[/math] se parece com a equação de uma circunferência. Isto significa que para cada [math]\displaystyle{ e^n }[/math], há infinitos pares [math]\displaystyle{ (x,y) }[/math] que satisfazem aquele número. O número sendo a distância da origem. O gráfico lembra um morro.
- [math]\displaystyle{ f(x,y) = \ln(x^2 + y^2) }[/math]
A primeira coisa a prestar atenção é que o argumento não pode ser zero. Novamente, [math]\displaystyle{ x^2 + y^2 }[/math] lembra a equação de uma circunferência. O domínio desta função é [math]\displaystyle{ x^2 + y^2 \gt 0 }[/math]. O gráfico de [math]\displaystyle{ f(x) = \ln(x^2) }[/math] é bastante similar ao gráfico de [math]\displaystyle{ f(x) = \ln(x) }[/math], exceto que o quadrado no primeiro permite valores de entrada negativos. Com isto em mente podemos seguramente afirmar que o gráfico é simétrico em ambas as direções. Ele lembra aquelas ilustrações que mostram como um buraco negro distorce o espaço-tempo.